Título: Oruro 2025: Uma Viagem ao Coração do Carnaval Mais Místico da Bolívia
Oruro, Bolívia — Quando decidi incluir o Carnaval de Oruro no meu roteiro pela Bolívia, confesso que não imaginava a dimensão do que estava prestes a vivenciar. Já tinha ouvido falar da fama do evento — Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, uma mistura de devoção religiosa e folia ancestral —, mas nada se compara à experiência de estar ali, no meio da multidão, sentindo o chão tremer sob os passos cadenciados das morenadas e o ar vibrar com o som estrondoso das bandas de sikuri . Em 2025, o carnaval completou 210 anos de história, e eu tive a sorte de testemunhar como essa tradição segue pulsante, resistente e, acima de tudo, profundamente humana.
Chegando a Oruro: A Cidade que Respira Cultura
A viagem de La Paz até Oruro durou pouco mais de três horas, mas cada curva da estrada já anunciava o clima do que estava por vir. Placas com rostos de diabos coloridos, cartazes anunciando grupos folclóricos e vendedores ambulantes oferecendo máscaras de ch’utas (figuras mitológicas andinas) davam o tom. Ao chegar, a cidade parecia suspender o tempo: as ruas estavam adornadas com bandeiras bolivianas e símbolos da Virgen del Socavón , padroeira do carnaval.
Na estação rodoviária, um senhor de poncho vermelho me ofereceu um api (bebida quente de milho) e sorriu: “Aqui, até o céu se veste de festa” . Não entendi o significado da frase até ver, horas depois, o céu noturno iluminado por fogos de artifício, como se os deuses andinos tivessem descido para dançar com os mortais.
O Toque do Carnaval: Entre o Sagrado e o Profano
O Carnaval de Oruro não é apenas uma festa — é um ritual. Começa na madrugada de sábado, com a entrada folclórica , um desfile de mais de 20 horas ininterruptas que reúne 30 mil dançarinos e 150 bandas. Eu me posicionei perto da Portada del Folklore , o arco monumental que marca o início do trajeto, e esperei.
Quando o primeiro grupo surgiu, o ar ficou eletrizado. Os diabos — homens e mulheres com máscaras douradas, chifres e trajes bordados — dançavam ao som de flautas e tambores, representando a luta entre o bem e o mal. Um deles, com uma máscara que pesava quase 20 quilos, parou perto de mim e disse: “A dança é nossa oração. Cada passo é uma promessa à Virgem” .
Logo atrás, vieram as morenadas , com seus movimentos pesados que imitam o sofrimento dos escravos africanos nas minas de Potosí. Os trajes, repletos de lantejoulas e espelhos, brilhavam como o sol do Altiplano. Um detalhe me marcou: muitos dançarinos carregavam pequenos santos ou fotos de familiares costuradas nas roupas. “É para que a Virgem nos proteja”, explicou uma jovem de 16 anos, que participava pela primeira vez após treinar um ano inteiro.
A Noite que Nunca Termina: Festa, Fé e Resistência
À medida que a noite caía, a energia só aumentava. No Sábado de Peregrinación , milhares de pessoas subiram até o Santuário da Virgen del Socavón, no alto da colina. A caminhada era uma mistura de cansaço e êxtase: velas, incenso e cantos em quíchua ecoavam entre as pedras. Um senhor idoso, com as pernas enfaixadas de tanto dançar, me ofereceu um gole de singani (aguardente boliviana) e brincou: “Se parar, o diabo te leva!” .
Na rua, barracas vendiam anticuchos (coração de boi grelhado), salteñas e chicha , enquanto crianças fantasiadas de llameradas (pastores de lhamas) corriam entre os adultos. Em um momento de pausa, conversei com uma artesã que fabrica máscaras há 40 anos. “Cada diabo que crio tem uma história. Alguns são para assustar, outros para curar”, disse ela, mostrando uma máscara com lágrimas de prata.
O Domingo da Qoyllur Rit’i: O Adeus que é um Até Logo
No domingo, o carnaval se despede com a Qoyllur Rit’i , uma cerimônia andina que mistura o ritual católico com oferendas à Pachamama (Mãe Terra). Dançarinos vestidos de waca tokos (bois sagrados) e kullawadas (figuras que representam a fertilidade) se reuniram na praça principal, enquanto os mais velhos entoavam cânticos em aymara.
Ao final do dia, com os pés doloridos e o coração cheio, percebi que o Carnaval de Oruro não é apenas uma festa, mas um testemunho da resistência cultural boliviana. É onde o passado e o presente se encontram, onde a dor da colonização se transforma em arte, e onde cada pessoa — seja dançarino, músico ou espectador — é parte de uma teia coletiva de fé e identidade.
Por que Oruro em 2025?
Em tempos de globalização acelerada, o Carnaval de Oruro segue firme, adaptando-se sem perder sua essência. Em 2025, vi jovens usando redes sociais para divulgar suas coreografias, mas também preservando técnicas ancestrais de confecção de máscaras. Vi turistas do mundo todo, mas também comunidades locais que mantêm viva a tradição de passar meses preparando trajes e ensaiando passos.
Carnaval Oruro Bolívia 2025
Se você busca uma experiência que transcenda o óbvio, Oruro é o lugar. Aqui, a cultura não está em museus, mas nas ruas, nas mãos calejadas dos artesãos, no suor dos dançarinos e no sorriso acolhedor de um povo que sabe celebrar a vida mesmo diante das adversidades.
Dica de quem viveu: Não deixe de experimentar o ch’arki (carne seca) com quinoa e de assistir ao desfile da Llamerada ao amanhecer. E, se puder, fique até a última nota da banda — pois em Oruro, como dizem os locais, “o carnaval nunca acaba de verdade” .
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